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plastic letters

A poesia surge de lugares, que você jamais gostaria de visitar. Mas que lá estive, como que um correspondente de guerras, e registrei. Tirei fotos e, colecionei: souvenirs, sorrisos e tragédias. E os enfileirei lado a lado, como quem organiza os velhos livros sobre a estante, como quem dispõe imagens e cores formando um mosaico. Registrei cada sutileza; o sorriso inocente da criança, a esperança do velho, a alegria descontente do aleijado, do mutilado, do miserável. Guardei o que sentia, bebi com pessoas sinceras, outras nem tão sinceras assim, e guardei. Guardei até onde pude, até que resolvi gritar, e então eu gritei.

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“Se eu tivesse que recuar uma milha
Se eu tivesse que tocar sentimentos
Eu perderia minha alma
Dessa maneira como eu sou

Eu não tenho que pensar
Eu apenas tenho que fazer
Os resultados são sempre perfeitos
E isso é notícia velha…

Você gostaria de ouvir a minha voz
Adocicada pela emoção
Inventada em seu nascimento?

Eu não posso ver o meu fim
Minha total extensão, eu não consigo enxergar
Eu formulo o infinito
E guardo fundo dentro de mim…”

(Meat Puppets, 1984)

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As vezes é bom esvaziar
Esvaziar o copo, do café abundante
A cerveja já derramando em meio a tanta espuma
Esvaziar a mente e o coração de sonhos abundantes que transbordam aos limites naturais…
Do copo, e dos passos, aos limites do quarto (não há espaço pra toda a mobília)
Sonhar demais é confusão
E o caos transbordará, como as espumas na cerveja, a mobília no quarto, incitando e suplicando por um nova geometria, novas formas
Mas é tudo tão rígido, e tão certo, e tão condicionado
E portanto…
É sempre bom…
As vezes…
Esvaziar

Angela+Ro+Ro

“Que você sumiu eu sei
Não preciso nem saber
Aonde você esconde sua imensa dor
Cá prá nós já era hora
De você ter ido embora
E acabar de vez com todo esse sofrer

Para de tomar, para de perder
Para de matar, para de morrer

Todo prejuízo feito
É um espelho de efeito
E você tem que mirar pra poder se ver
Se o espelho está quebrado
Quase tudo deu errado
Pelo menos vai tentar olhar você

Para de driblar, para de esconder
Para de medrar, na hora de correr

No início é difícil
De se abandonar um vício
Mas ganhar é bem melhor que desistir
Se a covardia bate
Vai bem fundo não desate
Esse nó no peito a natureza fez

Para de gelar, de se entorpecer
Para de secar o que quer escorrer

Como é bom fazer a festa
Ao invés de ir pela fresta
Ver a vida se esvaindo sem viver
Já comprei um camarote
Sem penetra sem calote
Vou sentar e assistir você me ver

Você vai suar, vai se derreter
Você vai lembrar do que quer esquecer

Se você aparecer
Só depois de se entender
Vou ficar feliz em finalmente ver
O inteiro do seu mundo
Seja chique ou vagabundo
Esse inteiro só pertence a você

Para de coçar, de se arrepender
Abre o coração, faz o sol nascer, faz o sol nascer”

(Ângela Rô Rô, 1979)

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Olhei pro céu, pro tempo, em busca de novidades
E distraído, e na ânsia de respirar, apalpei os bolsos
E peguei um cigarro, e ajeitei entre os dedos
E acendi, e inspirei, não respirei, simplesmente inspirei
Inspirei e soltei, e como a fumaça viajava, e era tudo tão rápido
E tão lento, ao fascínio dos meus olhos, que duraria uma eternidade
E tantos sonhos e pensamentos ali também se perderiam em meio a…..fumaça
Após inspirado e expirado, para onde todos esses sonhos e pensamentos sumiriam?
Inspirei e soltei, mas bem que poderia guardar todos esses sonhos pra mim, junto a fumaça em meu pulmão, todas essas pequenas e grandiosas alegrias, porque não?
E condiciona-las na caixinha de papelão que peguei no supermercado, ou na caixa de leite em cima da geladeira, já em desuso
Mas não, não haveria razão em guardar todas essas pequenas alegrias fugazes, eu teria que solta-las e faze-las se perderem
Como um pássaro na gaiola clamando pela liberdade, pois não há a felicidade sem liberdade
As alegrias só existem de fato em trânsito
Quando as soltamos….
E elas se perdem…
O destino delas? Nunca saberemos…
Mas é certo que existiram um dia…
Em trânsito…
Nunca conosco, pertencentes a mim, ou, a você
Então congele os momentos, aspirando, tragando e, expirando
E apenas as observe indo embora…
Pois elas não pertencem ao mundo
Apenas ao tempo
À aquele tempo, à aquele momento
Portanto a inspire, a trague, e solte e, congele os momentos…
Em seus pensamentos.

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“Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para casar como eu sou

Viver não é necessário; o que é necessário é criar
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha
Cada vez mais assim penso

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer o homem e contribuir
para a evolução da humanidade

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça. ”

(Fernando Pessoa)

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Vagando pela minha cidade natal, como forasteiro em meu próprio coração

Parasitando fragrâncias de outros, que não, as minhas, próprias

E andando em meio à multidão, pude constatar, que, sempre estive, só

Só, nunca solitário, mesmo

Até que, avistei você

Eu e minha solidão, você e a sua solidão

Ambos, eu e você, sós

Sós, nunca solitários, mesmo

Eu com você me sentia só, e você comigo se sentia, só

Sós, nunca solitários, mesmo

Sós, pois assim nos permitimos sentir, um na companhia do outro

Sós, nunca solitários, mesmo

Até que, já não era, mais, eu, ou você

Pois eu era você, e você, era eu

Sem distinção, pois, de tão sós, nos fundimos em um só corpo

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As pessoas amam o que não existe mais, o copo e a cartela vazia, a não vida, a saudade do que um dia foi e que já não é, mais. Talvez elas não amassem agora, de fato, mas sim porque esqueceram, perderam. Elas esquecem, e perdem, e há o vazio, um buraco que fica, e as pessoas gostam do vazio, por onde não passe o som, ou não haja mais vida, o vazio, só o vazio, é o que elas realmente amam.

E então a nudez e a miséria resolveram se juntar. Não sei se, por toda a nudez ser miserável, ou quem sabe, pela nudez, despida de pudor, se vestir de miséria.

E a paisagem sem você? É paisagem do mesmo jeito. E o mundo sem você? É o mundo ainda, e sempre será, com, ou, sem você. Mas você o vê, e ele te vê. Mas não há um pertencimento, você não pertence ao mundo, e o mundo, a você.
Por isso, que, dos retratos de paisagem, eu prefiro aqueles sem molduras, sem delimitações, sem enquadramentos, pertencimentos.
Ninguém pertence, ninguém.
E nem nada.
Eu estou aqui agora.
Mas poderia muito bem não estar.
Não, eu não pertenço.